Regulamentação do artigo 7º, I, da Constituição Federal sobre Dispensa Arbitrária
O inciso I, do art. 7º da Constituição Federal, prevê também a hipótese da dispensa sem justa causa. Porém, neste texto, vamos tratar apenas da dispensa arbitrária. Melhor seria que o legislador regulamentasse as dispensas em categorias distintas para definir o quantum a ser pago na rescisão.
A relação de emprego, no mundo contemporâneo, figura como um grande ponto de atenção nas relações sociais, pelos governos, igrejas, ministério público, sindicatos e outros órgãos da comunidade. No Brasil, esse é um direito considerado fundamental, sendo que a Constituição Federal, já no artigo 1º trata do valor social do trabalho e a proteção da dignidade da pessoa humana.
Até onde a dignidade humana é violada quando a dispensa é feita a esmo, sem fundamento ou sem qualquer critério? Deve ter alguma penalidade ou é um direito do empregador demitir quando e como quiser?
A dispensa arbitrária, considerando a etimologia da palavra, é aquela que não segue qualquer regra, é subjetiva, depende apenas da vontade de alguém, do chamado livre arbítrio de quem tem o poder de demitir. Alguns podem chamá-la de discricionária, outros de discriminatória. A primeira hipótese está relacionada ao poder de mando, enquanto que a segunda é uma extrapolação negativa desse poder de mando, pois fere a dignidade do ser humano.
O fato é que o livre arbítrio do empregador deve ter um “preço” justo, porque as relações de trabalho não podem ficar à mercê do inusitado, do mau humor de um gerente ou diretor.Não se confunde a dispensa arbitrária da demissão por justa causa, pois esta última é bem definida pelo artigo 482 da CLT, associada à jurisprudência que firmou clara posição para cada hipótese prevista no referido dispositivo legal. A demissão por justa causa, sem as quatro premissas básicas (imediatidade, gravidade nos termos da lei, prova e non bis in idem), pode ser considerada arbitrária e pode ter consequências para o agente.
Também não se confunde dispensa arbitrária com a demissão por justo motivo. Não há previsão na CLT da dispensa por justo motivo, mas muitos acordos coletivos acabam regrando esse tipo de demissão, com uma forma de indenização definida no citado instrumento normativo. Justo motivo, por exemplo, pode ser: fechamento de uma filial, redução de demanda, nova tecnologia com a consequente redução da necessidade de mão de obra, problema financeiro da empresa, baixo desempenho do empregado, etc.
De acordo com a Constituição Federal (artigo 7º, I), a relação de emprego é protegida contra dispensas arbitrárias ou sem justa causa. O artigo 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias declara que essa proteção, enquanto não for elaborada lei complementar que a regulamente, consistirá no pagamento de um acréscimo de 40% sobre o valor dos depósitos do FGTS a que o empregado tem direito. Por outro lado, há estabilidades especiais, impeditivas da dispensa sem justa causa, que são examinadas em separado. A Constituição veda, entretanto a dispensa arbitrária ou sem justa causa do empregado eleito para cargo de direção sindical, da gestante e do dirigente da CIPA. Com isso, é importante para o empregador, antes de dispensar, ver se houve ou não esses pressupostos que influirão nos direitos do empregado.A Constituição Federal prevê, no Ato das Disposições Transitórias, artigo 10, a indenização correspondente a 40% da multa sobre o FGTS, o pagamento do aviso prévio, regulamentado pelo art. 487 da CLT, indenização de férias integrais e proporcionais, 13º salário proporcional e indenização adicional se a rescisão ocorrer até 30 dias antes da data base da categoria.
O legislador poderia prever a multa de 50% no caso de justo motivo, em relação à dispensa arbitrária ou sem justa causa. O justo motivo deveria ser estabelecido por acordo coletivo. A lei poderia prever apenas para os casos de acordos que não prevêem essa hipótese.
Considera-se arbitrária, então, a dispensa sem justo motivo ou por justa causa. No caso de dispensa arbitrária, pode-se manter uma multa crescente do FGTS, de acordo com o tempo de serviço, podendo, por exemplo, variar de 10% (mínimo, para qualquer tempo de serviço) a 100% (para 20 anos), além aviso prévio, na forma estipulada atualmente em lei (proporcional), além de cobertura de manutenção dos benefícios por 6 (seis) meses, principalmente: assistência médica, cesta básica, creche.
Porém, não se pode parar aí, se a dispensa além de arbitrária for discriminatória, a empresa, além da indenização já descrita acima, não escapará de uma eventual condenação por dano moral. A arbitrariedade, ainda que subjetiva e discricionária, tem o limite da ética e da dignidade da pessoa humana.
O Judiciário tem considerado como arbitrária e discriminatória a demissão de trabalhador soropositivo, tendo a empresa conhecimento dessa condição, por violar os artigos 1º, incisos III e IV, 3º, inciso IV e 5º, caput, inciso XLI e § 1°, todos da Constituição Federal. É a proteção do “ser humano”, da dignidade dele.
O fator social tem peso significativo para o Judiciário sopesar a distinção entre uma dispensa justa e uma dispensa arbitrária. O objeto dessa tutela é a proteção da personalidade ao ser fragilizado que, psicologicamente, não tem meios para se defender para manter o mínimo da dignidade, se perder o trabalho.
A Lei n° 9.029/95 dispõe em seu artigo 1° o seguinte: “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem raça, cor, estado, civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7° da Constituição Federal”.
A empresa tem uma função social, por isso, a dispensa discriminatória não pode ser tolerada. O limite entre a dispensa arbitrária e a discriminatória é muito tênue. Não raramente, a empresa efetua uma dispensa que considera sem justa causa, porém, incorre na discriminação e por isso acaba tendo de reintegrar o empregado demitido.
Nessa trilha de função social, a lei, acertadamente, protege contra a dispensa arbitrária, não admitindo a compensação indenizatória, da gestante, do dirigente sindical, do cipeiro, do acidentado com afastamento superior a 15 dias, além de outros casos que podem ser estipulados por acordo ou convenção coletiva.
A dispensa arbitrária não pode ser tratada apenas do ponto de vista indenizatório, mas da limitação dela para situações que possam violar o princípio da dignidade humana. Empresas, sindicatos, Congresso e outros órgãos de relevância no país devem buscar uma posição de consenso, sem violar a livre iniciativa do empresário, mas sem desconsiderar que este tem não empregados trabalhando para valorizar o patrimônio, mas “pessoas” e estas devem ser tratadas com dignidade, ética e consideração.