

Blindagem ou Armadilha?
Você tem certeza de que seu contrato com diretores e especialistas de alto nível está blindado? A Reforma Trabalhista de 2017 abriu portas para a negociação individual com esses profissionais, permitindo que fiquem à margem das convenções coletivas. Contudo, o que parece uma vantagem estratégica pode se tornar uma armadilha jurídica cara. A linha que separa um “alto empregado” de um trabalhador com direitos coletivos é mais tênue do que se imagina, e os tribunais estão de olho.
A Reforma Trabalhista e a Figura do “Hipersuficiente”
A Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a figura do empregado “hipersuficiente”. Esta categoria de profissional, em tese, não necessitaria da mesma proteção sindical que os demais trabalhadores por possuir poder de barganha para negociar suas próprias condições de trabalho.
A base legal para essa negociação individualizada encontra-se em dois artigos-chave da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
Quem pode ficar de fora do Acordo Coletivo?
Existem dois grupos principais que podem ter suas condições de trabalho negociadas individualmente, afastando a aplicação da Convenção Coletiva (CC) ou do Acordo Coletivo (AC):
1. Gestores: São os empregados que exercem cargos de confiança, definidos pelo Art. 62, II, da CLT. Não basta a nomenclatura do cargo; é preciso comprovar:
A título de ilustração, quando fazia negociação de PLR com as entidades sindicais, costumava colocar uma cláusula no acordo com o seguinte teor: “Os ocupantes do cargo de liderança terão metas discricionárias e específicas da área que gerenciam, sendo a remuneração do PLR de acordo com as respectivas metas.”
2. Hipersuficientes: A lei não oferece uma definição subjetiva, mas estabelece critérios objetivos e cumulativos. Além desses, a doutrina e a jurisprudência consideram a real capacidade de negociação do empregado. Os critérios são:
A Visão dos Tribunais: Riscos e Realidades
A teoria parece simples, mas a prática judicial é rigorosa. A Justiça do Trabalho analisa de forma criteriosa se os requisitos para o enquadramento como gestor ou hipersuficiente foram de fato preenchidos. A simples formalidade não basta; é preciso provar a realidade dos fatos.
Um exemplo claro dos riscos é uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), que anulou um termo de quitação geral firmado com um empregado que, embora se enquadrasse nos critérios de hipersuficiência, era pessoa com deficiência. O tribunal entendeu que a condição de vulnerabilidade se sobrepôs à presunção de igualdade na negociação, demonstrando que a análise vai além do salário e do diploma.
Em outro caso, o TRT da 3ª Região, ao julgar o caso de um técnico de futebol com salário elevado, relativizou o princípio da proteção, reconhecendo sua condição de hipersuficiente e validando as condições negociadas individualmente. Isso mostra que, com a documentação correta e a caracterização robusta, a negociação individual pode ser segura.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre gestores também é firme: não basta o título no crachá. É necessário que o empregado tenha poderes de mando, representando o empregador. Sem essa prova, a empresa pode ser condenada ao pagamento de horas extras e outros direitos previstos na norma coletiva que acreditava ter afastado.
SITUAÇÃO PODE SER EXCLUÍDO CONDIÇÕES E CUIDADOS
Empregado comum Não Aplica-se integramente a Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo.
Gestor Sim 1. Previsão na CC/AC: a norma coletiva deve permitir a exclusão (precaução). 2. Anuência Expressa: O empregado deve concordar por escrito, em aditivo contratual. 3. Comprovação Real: a empresa precisa documentar as funções de gestão e o poder de decisão (pode ser através do Manual de Delegação de Autoridade).
Hipersuficiente Sim (com risco) 1. Previsão na CC/AC: A norma coletiva deve prever essa possibilidade. 2. Anuência Expressa: Acordo individual por escrito é obrigatório. 3. Comprovação Robusta: É o cenário de maior risco. A empresa deve manter provas da alta remuneração, qualificação e da autonomia e poder de barganha.
É fundamental lembrar que a exclusão não pode suprimir direitos fundamentais garantidos pela Constituição e por lei, como normas de saúde e segurança, FGTS, 13º salário, férias e licença-maternidade.
Conclusão: Estratégia, Não Improviso
A possibilidade de negociar contratos individuais com gestores e hipersuficientes é uma ferramenta de flexibilização valiosa, mas deve ser utilizada com precisão cirúrgica. A exclusão das normas coletivas é uma exceção que exige extremo cuidado, documentação robusta e transparência entre empresa, empregado e sindicato.
Optar por essa rota sem o devido cuidado jurídico e sem a construção de um conjunto de provas sólido é apostar na sorte. E na Justiça do Trabalho, a sorte raramente favorece quem improvisa. Blinde seus contratos, documente cada passo e garanta que a flexibilidade conquistada hoje não se transforme no passivo trabalhista de amanhã.