Tendo conduzido negociações coletivas por mais de 25 anos, em 5 diferentes empresas com culturas diferentes (economia mista, americana, francesa, multinacional brasileira e grupo privado brasileiro), muita aprendizagem colhi dessa experiência.
Entre elas, a interação com profissionais de outras empresas, bem como com muitos interlocutores do lado dos empregados, a maioria deles muito bem preparada tecnicamente, além da postura ética que é a essência para um desfecho ganha-ganha. Muitas vezes, ocorreram batalhas duras, sempre tratadas com respeito e diálogo nos momentos mais difíceis.
Após os primeiros anos atuando nesses processos, ficava muito incomodado em receber mais de uma dezena de pautas de reivindicações dos sindicatos, fazendo, com a minha equipe, uma análise item a item – muitas vezes exaustiva – para levar à mesa um posicionamento sim, não, em parte, etc.
Por outro lado, percebia que algumas cláusulas antigas já não faziam sentido e que era preciso fazer algo.
Assim, a partir de um determinado ano, ainda na década de 80, introduzi (creio que outras empresas já haviam feito isso antes) a pauta de reivindicações da empresa.
No início, a pauta foi recebida com desconfiança e rejeição, mas insisti que também tínhamos pontos a discutir, o que daria autenticidade a uma negociação verdadeira (negociação = troca).
Aos poucos, essa prática foi aceita e muitos itens passaram a ser resolvidos dessa forma. Tínhamos um anuênio que não mais se justificava, onde a meritocracia deveria prevalecer sobre o sistema e conseguimos o congelamento do percentual, assim como foram resolvidas questões como rubricas referentes a adicionais de função acessória e alguns benefícios que precisavam ser transacionados.
A pauta da empresa, tal como a dos sindicatos, não deve gerar expectativa de solução de 100% das questões já colocadas, pois na negociação coletiva deve haver concessões recíprocas. Além disso, abrir mão de uma reivindicação de um lado ou de outro faz parte do processo negocial.
Contudo, o importante é ressaltar que as reivindicações patronais devem ser consistentes, justificadas e mantidas nas negociações seguintes quando muito importantes e que não se tenha avanço num determinado ano, em prol de se celebrar um acordo.
Se a pauta dos empregados é aprovada em assembleia, a pauta da empresa deve ter a participação do corpo de gestores da empresa.
Nem sempre o RH pode identificar questões que incomodam. Por isso, a pauta da empresa sempre foi elaborada com a participação de um representante de cada diretoria, que interage com a base de gestores da respectiva área.
Um exemplo típico disso foi, a partir de um sentimento de alguns gerentes da base operacional da empresa, estabelecer em acordo coletivo o acesso às instalações da empresa dos dirigentes sindicais para contato com os empregados.
Não buscamos proibir, mas escrever uma cláusula que normatize o acesso, o que inclui a distribuição de panfletos, uso de quadros de avisos e outras atividades de interação entre os representantes e os representados.
Essa prática de ter uma pauta da empresa foi repetida em todas as demais empresas onde atuei como dirigente do RH e fui responsável por conduzir o processo de negociação coletiva.
Numa das empresas, nossa equipe de RH estabeleceu, em comum acordo entre as partes, um fórum de diálogo social, onde as queixas relativas às relações de trabalho, não só de hipotéticos direitos que não estavam sendo cumpridos – como por exemplo, determinada chefia que não aprovava horas extras realizadas – , seriam discutidas nesse comitê paritário e buscada uma solução.
A média de reclamações trabalhistas que eram ingressadas na Justiça caíram em mais de 70%, pois o compromisso entre as partes foi rigorosamente cumprido, com seriedade na análise de cada caso e na busca de uma solução efetiva.
Nesse comitê de diálogo social, a empresa também tinha, muitas vezes, algum item de seu interesse a discutir.
Além disso, algumas questões mais intrincadas e complexas na mesa da negociação coletiva anual, que não eram impedimento para se fechar um acordo, eram remetidas para esse comitê de diálogo social, tal como, por exemplo, alteração das escalas de revezamento, mesmo que a origem fosse da pauta da empresa e não dos sindicatos dos trabalhadores.
Dependendo da relevância do assunto e o alcance do mesmo, pode-se fazer um aditivo ao acordo coletivo, observadas as formalidades necessárias, tais como aprovação em assembleia da categoria.
Com relação aos itens específicos, sem repercussão geral, lavra-se uma ata de reunião para produzir os efeitos legais e administrativos (acompanhamento).
Um comitê de diálogo social ou que tenha outra denominação, mesmo que seja não formalizado, pois a essência é que se tenha uma agenda de reuniões periódicas (bimestrais ou trimestrais) entre as partes para que não haja acúmulo para a data base de queixas ao invés de reivindicações mais relevantes.
Numa das empresas, houve um avanço até mesmo em questões de responsabilidade social, onde os sindicatos foram parceiros em algumas ações comunitárias e 100% nas questões de segurança do trabalho com o público interno.
A partir da reforma trabalhista de 2017, as negociações coletivas foram fortalecidas. Por isso, é importante que cada empresa, seja negociando individualmente ou através do sindicato patronal, faça do Acordo Coletivo um instrumento normativo que possa espelhar uma relação de trabalho equilibrada, justa e ética.
A pauta da empresa deve fazer parte do processo negocial, assim como também deve haver a prática de reuniões periódicas onde os conflitos ou interesses das partes sejam analisados e resolvidos.
Essa prática ajuda a ter um processo negocial mais tranquilo, evitando-se a imprevisibilidade de conteúdos e comportamentos reativos face a pequenos problemas que, uma vez que sejam resolvidos no cotidiano, não se transformem em obstáculos para uma negociação em alto nível e com foco em questões mais relevantes.
Alfredo Bottone é advogado; escritor; professor de MBA em Governança Corporativa; Consultor em RH Estratégico, Governança Corporativa, Relações Trabalhistas e Ética Empresarial; membro do Board Academy; associado do SHRM (Society for Human Resources Management).