O fim da era do ‘gerente ponto’ - Alfredo Bottone

O fim da era do ‘gerente ponto’

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O fim da era do ‘gerente ponto’

gerente ponto

No final da década de 1970, um colega meu de trabalho recebeu uma carta de elogio de um renomado executivo por ter trabalhado durante dez anos consecutivos sem nunca ter chegado atrasado e nunca ter faltado ao trabalho.

Um outro colega de trabalho de trabalho, muito competente e severamente crítico, sem deixar jamais de falar o que pensava e sentia, ironizou: “o fulano ganhou esse elogio, pela assiduidade, mas continua com o mesmo cargo há 10 anos; grande coisa, continua com o mesmo cargo e, talvez, assim continue por mais 10 anos ou até se aposentar. Será que é isso que a empresa e a família precisam dele?”

Naquela época, em grande parte das empresas, era considerado bom empregado aquele que não atrasava, não chegava atrasado, ficava à disposição para fazer horas extras, andava de cabelo bem cortado, barba feita, uniforme lavado e passado, sapato engraxado e cumpridor de ordens, mesmo aquelas mais desconectadas com resultado. As pessoas eram tolhidas a participar com críticas e sugestões para a melhoria de processos.

Era um período em que, implicitamente, era entendido que gerente pensava, mandava e os empregados eram pagos para cumprir ordens, de forma pacífica sem qualquer contestação. No Brasil, isso foi muito acentuado pelo próprio regime autoritário que vigia, contaminando o estilo de gestão em grande parte das empresas.

Com o decorrer dos anos, felizmente, muita coisa mudou, mas há, ainda, aqueles gerentes que gastam boa parte do tempo controlando a entrada de cada colaborador, para ver se chegaram ou não no horário, não confiando nem mesmo nos controles eletrônicos. O gerente ponto perde o foco no resultado e centra-se no controle do horário de cada um, estressando-se até mesmo com pequenos atrasos justificados. Se alguém vai tomar café em área reservada pela empresa e trocar algumas palavras com um colega, esse “chefe” fica olhando no relógio já com tiques nervosos. Ele nem quer saber se essa interação é saudável, porque alguns assuntos de trabalho acabam sendo resolvidos ou encaminhados para solução. Na avaliação de desempenho, ele super valoriza o quesito assiduidade (latu sensu). Assiduidade tem peso 10 e o resto peso 1…

Logicamente que assiduidade é importante, mas isso por si só não garante o resultado de uma empresa. Quantas pessoas cumprem o horário de trabalho, mas apenas corporalmente, deixando que a alma viaje o tempo todo fora da companhia. É o chamado absenteísmo psicológico. Isso é muito mais grave do que o absenteísmo físico, pois significa alienação, não comprometimente e engajamento com os negócios e objetivos da empresa.

Na maioria absoluta das equipes dos gerentes ponto não há talentos, porque esses gestores não conseguem perceber os que efetivamente agregam valor, independemente da assiduidade e tratam igualmente os desiguais. O verdadeiro talento precisa de “espaço psicológico” para participar, criar, desenvolver-se e ser reconhecido. O gerente ponto gosta de profissionais “sem asa”, que fiquem presos no seu espaço físico de trabalho. Provavelmente, esse tipo de gerente terá um time de profissionais obedientes, presos ao horário (mas o tempo todo olhando para o relógio, desde que chegam no trabalho, esperando pelo fim do expediente), sem agregar qualquer resultado concreto para a empresa. Os medíocres  assíduos e obedientes têm grande chance de reconhecimento por esse tipo de chefia.

Esse perfil de “chefe” não pode mais fazer parte do quadro da companhia. Ou a empresa faz um trabalho para mudar a cabeça deles (com programas de desenvolvimento e definindo metas que exijam um reposicionamento de forma de dirigir as equipes) ou, na resistência a mudança, mudar de cabeça. Se não fizer isso, a empresa morrerá pelas mãos desses gestores. Uma das razões da diminuição desse modelo de chefia é que, além da transformação da gestão das empresas, as que mantiveram gerente ponto cometeram suicídio no negócio e desapareceram.

Alfredo Bottone

Agosto de 2017
Consultor de empresas – Gestão, RH, Ética, Relações do Trabalho
alfredo.bottone@terra.com.br
WhatsApp +1 832 803 6838