Vamos conversar sobre acidente de trabalho em home office?
Com a pandemia, um grande contingente de empregados está trabalhando em casa, no denominado home office. Após o fim da pandemia, que não se sabe quando isso exatamente ocorrerá, é previsto que nem todos voltarão a trabalhar na empresa, porque essa experiência trouxe lições aprendidas de que há formas de flexibilizar o trabalho com a adoção do home office, parcial ou integral, para grande parte dos empregados.
Sendo essa uma realidade, cabe às empresas regulamentar o trabalho home office, tanto para proteção do empregado quanto para evitar passivo trabalhista futuro.
A ausência de um regulamento cria um perigoso vácuo. Melhor que se tenha um instrumento normativo, ainda que com algumas dúvidas do que a inexistência do mesmo. A empresa deve sim criar uma norma e, gradativamente, aperfeiçoá-la. A ausência de regulamento enfraquece a empresa perante os órgãos fiscalizadores, bem como perante o judiciário.
Apesar de muitas dúvidas relacionadas a esse tema, por ser novo no Brasil, há certezas que precisam ser ratificadas e reiteradas perante os trabalhadores em home office, para os gestores dos mesmos e para os profissionais das áreas de saúde e segurança do trabalho.
A abordagem aqui não deve se limitar exclusivamente a acidentes do trabalho, mas também às doenças profissionais, às questões de ergonomia e saúde. A responsabilidade da empresa é a mesma, onde quer que o empregado esteja prestando o seu serviço. Ela decorre do vínculo contratual, onde cada um tem direitos e deveres.
Assim sendo, sugerimos que a regulamentação aborde, expressamente, entre outros itens:
Todas essas providências jamais substituem ou prescindem o que igualmente é feito quando o empregado presta o serviço dentro da empresa: PREVENÇÃO. A área de saúde e segurança do trabalho não pode perder o foco nesse seu principal papel. Muitos advogados / juristas consideram que para a caracterização do acidente de trabalho em home office é preciso provar a culpa do empregador, pois eles consideram que o home office não é uma extensão do local de trabalho.
O tema é novo e é muito cedo ainda para certas afirmações. Minha posição é que não importa o local da prestação de serviço, mas deve haver prova do nexo causal entre o acidente e o trabalho. A responsabilidade, no caso, é objetiva, dentro do próprio espírito da lei acidentária. Logicamente que, havendo culpa do empregador, isso pode não só caracterizar o fato como acidente, bem como o risco da empresa ser condenada a uma indenização decorrente de dano moral.
O momento é de cautela, por isso, regulamentar o trabalho home office, incluindo todas as questões diretamente relacionadas com a saúde e segurança do trabalho é o melhor que se pode fazer, independentemente da Justiça se posicionar por uma linha ou outra dentro da ambiguidade atual. Como Recursos Humanos, devemos fazer o melhor para preservar a saúde e integridade da força de trabalho, porque isso gera respeito, credibilidade e traz vantagens para a empresa.
Para corroborar com essa nossa posição, recentemente uma promotora de uma conhecida indústria de cosméticos sofreu uma queda na escada de sua residência, na cidade em Belém do Pará. Embora o trabalho dela era externo, esse acidente ocorreu quando a mesma estava saindo de casa para o trabalho externo. Ela sofreu uma fratura no pé. A empresa se recusou a abrir a CAT, sob alegação que tal fato não se caracterizava como acidente do trabalho, mas se tratava de um acidente doméstico.
Por iniciativa própria, como a lei faculta, a promotora de vendas, abriu a CAT. Para simplificar o caso, ela entrou na Justiça do Trabalho, reivindicando o reconhecimento do acidente do trabalho, a reintegração ao emprego ou indenização, pois havia sido dispensada logo depois que havia retornado ao trabalho e pediu indenização por dano moral.
Na primeira instância, ela não teve o direito reconhecido, mas já nessa oportunidade a juíza alertou a necessidade dos empregadores adotarem medidas protecionistas para os empregados que trabalham em regime de home office, ressaltando que a casa, para eles, é o ambiente de trabalho, com fundamento no art. 19, da Lei 8.213/91, que reconhece como acidente do trabalho aquele ocorrido, em qualquer lugar onde o empregado esteja prestando serviço para a empresa.
No TRT, houve o reconhecimento do fato como acidente do trabalho, porque, embora o trabalho dela fosse externo, como a empresa nem tinha qualquer escritório em Belém, a reclamante tinha de ter um ponto de apoio que era a sua própria casa, onde executava tarefas relacionadas ao seu emprego. Os demais pedidos foram considerados também procedentes, inclusive a indenização por dano moral (R$ 20.000), por dispensá-la durante a estabilidade que ela tinha direito (período de 2 meses após alta médica – art. 118 da Lei 8.213/91).
Para que se saiba que o problema dessa nova modalidade de acidente não é exclusivamente brasileira, mesmo nos Estados Unidos, onde o home office já existia antes da pandemia, mas que se intensificou substancialmente, essa questão do acidente de trabalho em home office também é controversa. Como exemplo, citamos um mesmo fato ocorrido com duas pessoas em lugares diferentes geograficamente. Tratou-se de lesão decorrente de tropeço em cachorro. Foram duas decisões distintas: um tribunal reconheceu como acidente do trabalho e o outro não.
Estudos mostram que há similaridade entre os acidentes no escritório e os domésticos, tais como: tropeços, dores na região lombar, lesões da síndrome do túnel do carpo e coisas do gênero. Por isso, nem sempre é fácil identificar se o acidente ocorrido foi na real prestação de serviço ou realizando algo alheio ao trabalho.
Não é tarefa fácil identificar quedas decorrentes de riscos domésticos daquelas onde o empregado, de fato, estava realizando, em casa, um trabalho para a empresa. Por isso, reforçamos a necessidade, para reduzir essa zona cinzenta entre lesões decorrentes do trabalho e aquelas relacionadas às tarefas domésticas, que seja elaborada uma regulamentação muito clara sobre horário de trabalho, local de trabalho na casa, permissão para inspeção (pode ser virtual).
Não adianta alegar que as condições de trabalho na residência eram inadequadas por culpa do empregado. Os tribunais vão entender que cabe ao empregador zelar pela segurança do trabalho onde quer que seja o local de trabalho do empregado.
Por fim, acrescento a contribuição recebida da experiente engenheira Liane Dilda, que trabalhou em empresas de diferentes atividades no Brasil, além da vivência internacional, notadamente em relação à Espanha, de como o tema tem sido tratado neste país: recentemente foi aprovada norma do teletrabalho na Espanha, um dos pontos importantes no que tange a saúde do ponto de vista físico e mental , ou psicossocial, é que o teletrabalho é voluntário e reversível para a pessoa e para a empresa, e que o local pode ser a própria residência ou de um colega de trabalho (“coworking”).
Os trabalhadores têm direito à desconexão digital fora do horário de trabalho e que negociações coletivas regularão vários dos itens do novo decreto. Acrescenta que os contratos de trabalho celebrados com “menores” não admitem acordo de trabalho a distância. Quanto aos meios de controle empresarial das atividades, o texto do decreto na Espanha permite a empresa adotar medidas de vigilância que considerem oportunas para verificar se o trabalhador cumpre com suas funções, sempre respeitando a “dignidade do trabalhador”. Tratando-se de segurança e saúde, muitos treinamentos são realizados e a empresa deve garantir as mesmas condições de treinamento e participação para os que fazem teletrabalho.
Texto: Alfredo Bottone
Advogado, Consultor RH Estratégico, Ética Empresarial.