Alfredo Bottone
As relações de trabalho, como todas as interações humanas, são passíveis de conflitos. Por melhor que seja um ambiente de trabalho, sempre ocorrerão divergências e interpretações diversas dos cenários que se apresentam no cotidiano, que são vistos por cada um dos colaboradores de uma organização, através de perspectivas diferentes, sobre os mais variados temas.
O presente texto visa levar à reflexão formas efetivas de enfrentamento do tema e, para tanto, faz-se mister entender como o assunto foi e vem sendo tratado no Brasil, juridicamente e gerencialmente, a fim de podermos adotar medidas que vão auxiliar na prevenção e solução de conflitos dentro uma visão holística da matéria.
Começamos revisitando brevemente a evolução histórica que demonstra como se dava o enfrentamento dos conflitos trabalhistas no Brasil. Após, introduzimos o tema relativo à importância do Compliance e Diálogo Social no dia a dia da empresa a fim de auxiliar na prevenção e solução dos mesmos.
No Brasil, o Judiciário, até o advento da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467), exerceu um papel preponderante na intermediação dos conflitos trabalhistas. Esse papel foi ocupado desde a era do chamado “Varguismo” (Estado Novo implementado pelo presidente Getúlio Vargas, 1937 a 1945) com a criação da Justiça do Trabalho e a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O Estado, na busca de impulsionar o desenvolvimento industrial no país, criou um arcabouço para os empregados com vistas a estabelecer direitos e deveres trabalhistas, visando “manter a paz” na relação entre o empregador e o empregado, para que, segundo o argumento daquele Governo, a indústria pudesse crescer sem perturbações.
As juntas trabalhistas, denominadas de Juntas de Conciliação e Julgamento, eram então compostas por juízes togados e classistas, estes últimos originários dos sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores.
Com a promulgação da chamada constituição cidadã, a Constituição de 1988, as relações coletivas de trabalho foram prestigiadas com iniciativas, dentre outras, do resgate da liberdade de organização sindical, com a autonomia sindical, o direito de greve e outros. Mais tarde, os sindicatos ganharam, juridicamente, maior autonomia, com a eliminação da tutela do Estado, extinguiu-se, ainda, a figura do juiz classista através da Emenda Constitucional 24/99, pois não se concebia mais, como na época do Estado Novo, que todas as questões conflituosas das relações de trabalho fossem à Justiça do Trabalho, que abrigava a representação das duas classes sociais (empregados e empregadores).
Ainda no eixo de discussão de como se dava a dissolução de conflitos, que antes girava em torno da intervenção do Estado, vale salientar que com a Constituição de 1988 outros meios foram disponibilizados, como arbitragem (art. 114, parágrafo 1º da CF/88: “frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”), mediação (regulada pela Lei 13.140/2015) e a negociação (artigo 7º, XXVI da Constituição Federal, que trata do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho).
A Reforma Trabalhista de 2017 trouxe ainda outros avanços, como a possibilidade de ajuste das condições de trabalho através de acordo ou convenção coletiva, reforçando ainda mais o dispositivo constitucional do reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho.
O fim da obrigatoriedade da contribuição sindical trouxe um grande desafio aos milhares de sindicatos existentes no Brasil, como a condição de sobrevivência e capacidade de representação dos trabalhadores nas negociações coletivas e aquelas negociações ocasionais ou pontuais que normalmente ocorrem fora da data base.
Por outro lado, os sindicatos têm procurado instituir alguma taxa negocial para suportar os custos da infraestrutura necessária para conduzir esses processos, embora haja dúvidas de como a jurisprudência possa se posicionar, predominantemente, sobre o tema, mesmo que aprovada em assembleia. Vale salientar, com isso, que o instituto da negociação coletiva como forma de resolução de conflitos pode ser enfraquecido.
Outro avanço da Reforma Trabalhista de 2017, é que os trabalhadores estarão obrigados a honrar os honorários de sucumbência em caso de derrota na discussão judicial trabalhista, regra que, dentre outros, inibiu a litigância de má fé e o ajuizamento de ações por motivos torpes que poderiam ser evitados, ou cujo conflito poderia ser facilmente dirimido no nível da empresa através de negociação ou outro meio extrajudicial.
Uma vez feito um breve relato histórico das questões legais relativas à resolução de conflitos trabalhistas no Brasil, passamos a tratar das questões de prevenção e solução de conflitos no âmbito da empresa.
Analisaremos a questão abordando dois itens importantes: as medidas preventivas, o COMPLIANCE e o Diálogo Social e as medidas legais de solução de conflitos.
Atualmente, muitas empresas têm um programa de COMPLIANCE que visa, dentre outros, contribuir na inibição dos riscos trabalhistas, reduzindo, portanto, o passivo trabalhista. Um programa de COMPLIANCE avançado e bem administrado evita, certamente, grande parte de conflitos que possam surgir no ambiente da empresa e ao mesmo tempo alinha e adequa a empresa às leis e suas implicações na atividade da empresa e manutenção do saudável ambiente laboral. Hoje empresas que demonstram boas práticas e aderência a programas de COMPLIANCE, comprovadamente, melhoram sua imagem perante a sociedade, acionistas, colaboradores e demais stakeholders.
Mas o que significa, na prática, COMPLIANCE? No mundo dos negócios, significa alinhar as diversas normas e regulamentos e controles internos à legislação e controles externos. Trata da necessidade de manter a conduta da empresa adequada às leis e normas e demais regulamentação dos órgãos competentes. Nas questões afetas à área trabalhista, vale citar de forma não exaustiva, a vital importância da observância da Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista), Lei 13.429/17 (Lei da Terceirização), e ainda, a Lei 13.709/18 (LGPDP-Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) a Lei 12.826/13 (Lei Anticorrupção), bem como a Lei 9.613/98 (Lei da Lavagem de Dinheiro), tal como as questões relativas à Diversidade e Inclusão.
Um bom programa de COMPLIANCE requer, inicialmente, um Código de Ética com os seguintes pilares: Missão (para que a empresa existe), Visão (o que a empresa quer ser no futuro, ou seja, onde quer chegar), Valores (qual a forma de agir, é o que dá personalidade a ela e seus profissionais diante de diferentes situações), Guia Prático da Ética (prevê o que se espera de todos diante das diferentes situações), Comitê de Ética e Canal de Acesso ao Comitê (aberto ao público interno e externo).
Uma vez superada esta etapa deve-se partir para o mapeamento e avaliação dos riscos e contingências aos quais a empresa se encontra exposta a fim de que se estabeleça ordem de prioridade nas estratégias a serem traçadas e ações a serem tomadas. Na oportunidade da implementação do programa, recomenda-se ainda que se revisite as informações relativas a pessoal, benefícios concedidos, tipos de contratos celebrados e concessões envolvendo todos os colaboradores, bem como avaliar os contratos e como vêm sendo gerenciadas as relações com terceirizados, fornecedores e clientes externos bem como a interação e impactos das entidades sindicais nas atividades da empresa. Mapear as políticas e estratégias de RH existentes vis-a-vis os dados encontrados nas investigações (due dilligence) acima mencionada.
As políticas e estratégias de Recursos Humanos (RH) devem estar alinhadas com os princípios éticos e com as normas legais existentes, incluindo os Acordos Coletivos da Categoria. Todas as questões afetas às interações dentro da empresa devem ser pontuadas, norteando condutas e para que sejam entendidas e tratadas de forma correta e inquestionável pelo público interno e pelos órgãos fiscalizadores. A fim de exemplificar vale citar a importância:
Duas providências são relevantes para a efetividade do programa de COMPLIANCE:
a) treinamento e reciclagem permanente dos gestores, envolvendo todas as questões listadas acima;
b) auditoria para verificar a efetividade do programa.
O Diálogo Social vem se mostrando um importante caminho alternativo e bastante efetivo para a inibição e mesmo solução de conflitos.
Em duas das empresas que exerci o cargo de Diretor de RH, conseguimos negociar com os sindicatos uma cláusula onde eles se comprometiam a não ingressar com ação judicial sem uma tentativa prévia de solução administrativa.
A importância dessa cláusula foi a de estabelecer um diálogo mais efetivo sobre questões conflitivas nas relações de trabalho, quer por omissão ou ação equivocada de algum gestor em nome da empresa, ou por interpretação errônea do trabalhador, levavam a possíveis conflitos.
O resultado foi altamente positivo. A melhor experiência, dentro do espírito da conciliação prévia foi numa empresa de controle francês, com uma subsidiária importante no mercado brasileiro no seu ramo de atividade, onde criamos o chamado fórum de “Diálogo Social”, de forma paritária, onde essas questões eram, mensalmente, apresentadas, discutidas e deliberadas. A redução do contencioso trabalhista foi altamente significativa. A estratégia consiste na criação de uma Comissão de Diálogo Social e a realização de reuniões periódicas para avaliação dos assuntos em pauta.
Composição: paritária – empresa representada pelo Diretor Executivo que coordenava o fórum de discussões, a superintendente de RH e representantes de áreas descentralizadas que estavam na linha de frente, geralmente gerentes do primeiro escalão, nomeados pelos diretores e com poder decisório; e, sindicatos representados pelo Presidente e/ou Diretores. Um dos pontos relevantes para o sucesso desse modelo de solução de conflitos, foi o compromisso recíproco com as reuniões, com follow-up e prazo para as decisões.
Temas relacionados a acordo coletivo (nas negociações coletivas, alguns itens eram, de comum acordo, remetidos para melhor discussão nesse fórum de Diálogo Social), após discutidos e consensados, deveriam ser levados à categoria profissional para deliberação. Após isso, era formulado “termo aditivo ao acordo coletivo”. A Diretoria e Gerentes deveriam ser informados dos principais assuntos discutidos e deliberados.
Como já vimos na retrospectiva histórica conduzida no início do presente texto, a forma mais utilizada, prevista em lei para a solução de conflitos trabalhistas no Brasil por muitos anos foi a de recorrer à justiça.
Vale, contudo, considerar que as soluções alternativas de dissolução de conflitos existentes, quais sejam, Arbitragem, Mediação e Negociação podem ser utilizadas e quando o são vêm mostrando bons resultados, mesmo que a adesão ao sistema de arbitragem no Brasil ainda seja muito aquém do que se poderia utilizar desse mecanismo. Abaixo, sinteticamente, abordamos cada um desses caminhos.
É exercida pelo Poder Judiciário. Deveria ser a alternativa menos utilizada, somente após esgotada a mediação e a arbitragem, porém, na prática é a mais utilizada. Com a Reforma Trabalhista, felizmente tem sido bastante reduzida, desacelerando a malfadada “indústria das reclamações trabalhistas”, uma vez que como vimos, existe hoje o ônus da sucumbência imposto aos reclamantes que se aventurarem a pedir absurdos.
Foram instituídas pela Lei n. 9.958/2000. Decorridas quase duas décadas de sua instauração, seus efeitos práticos ainda são irrelevantes. Algumas iniciativas bem-sucedidas decorreram da submissão de itens de acordos coletivos.
É o instrumento, a meu ver, mais rico e autêntico de todos eles, pois, com a autonomia e soberania que lhe são peculiares, permite a qualquer tempo a busca da solução de conflitos, mesmo que estes já estejam num processo judicial ou extrajudicial. A negociação é incentivada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)[1], por considerá-la a melhor forma de composição dos interesses nas relações de trabalho.
Vem do latim mediatio, que significa intervenção, intercessão ou intermediação, é considerado como um processo de autocomposição do conflito. É, normalmente utilizada pelo Ministério do Trabalho, principalmente para conflitos coletivos de trabalho. É regulada pela Lei 13.140/2015, sendo que a Lei n. 13.467/17 permite que o acordo obtido na mediação seja levado à Vara do Trabalho para homologação – nova redação do art. 652 da CLT.
É um mecanismo extrajudicial, ou seja, que tem o poder outorgado pelas partes para decidir não está vinculado à jurisdição do Estado, mas é investido do poder decisório sobre o conflito. A Arbitragem tem previsão na Constituição Federal (artigo 114, parágrafo 2º).
A despeito da importância e proteção oferecidas pela implementação de iniciativas como a implementação de um programa de COMPLIANCE e a implementação do fórum de DIÁLOGO SOCIAL na empresa, é certo dizer que sempre ocorrerão, ainda que em baixo número, conflitos e consequentes demandas trabalhistas.
Por isso, para que uma empresa tenha um ambiente equilibrado sem a toxicidade do excesso de reclamações trabalhistas, deve valer-se de recursos como o programa de COMPLIANCE e o DIÁLOGO SOCIAL, lembrando que este último está inclusive juridicamente alinhado com o princípio da livre negociação.
O programa de COMPLIANCE exige que as políticas de RH sejam robustas, consistentes e coerentes com as normas trabalhistas, ética empresarial e as melhores práticas do mercado. O COMPLIANCE é uma excelente ação preventiva, enquanto que o DIÁLOGO SOCIAL é uma ação corretiva, mas de um elevado grau de tentativa de autocomposição (insere-se no espírito da Negociação Coletiva), em contraposição a meios externos de resolução de conflitos (já citados neste texto) que sempre acabam sendo onerosos, demorados e muitas vezes com desgaste para o clima organizacional.
Esses instrumentos permitem que as relações do trabalho sejam vividas em um ambiente saudável, estável e de confiança mútua, assegurando condições para uma maior produtividade. A implementação desses programas permite ainda que as negociações coletivas fiquem bem mais simples e transparentes. Este é um modelo dinâmico para tratar de conflitos e outros assuntos de interesse das partes de maneira assertiva e contínua, onde o respeito, honestidade, flexibilidade e comunicação entre empregadores, gestores e empregados mantêm-se alinhados garantindo o sucesso e alcance dos resultados desejados pela empresa.
Alfredo Bottone, Advogado, Professor em MBA de Governança Corporativa, Consultor de RH Estratégico, Ph.D., Philosophy in Business Administration (USA), autor do livro “Insights de um RH Estratégico” e de diversos e-books e artigos na área trabalhista, gestão de pessoas e governança corporativa. Site: www.alfredobottone.com.br