Comentário de Alfredo Bottone: Tudo tem limite. Há várias formas de se fazer treinamento motivacional sem expor o empregado a risco. Às vezes, surgem algumas modas que se propagam sem a devida cautela. “Andar sobre brasas”, como bem relatou um dos Ministros que julgou o processo, “ultrapassa os limites do bom senso e remete às trevas medievais”. A condenação foi inevitável e serve de atenção para as empresas que se aventuram em contratar algumas atividades de treinamento que se utilizam de técnicas que agridem física e mentalmente os colaboradores. A empresa deve ser muito cautelosa nessas iniciativas, utilizando-se de profissionais experientes e com muito bom senso, que jamais irão expor a empresa a uma situação como essa descrita.
A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a um agravo com o qual a Distribuidora de Medicamentos Santa Cruz Ltda. pretendia se isentar da condenação de indenizar em R$ 50 mil um trabalhador que foi obrigado a andar com os pés descalços num corredor de carvão em brasas durante treinamentos motivacionais. O caso causou espanto entre os ministros na sessão do último dia 1º. O presidente da Turma, ministro Lelio Bentes Corrêa, se disse chocado e estarrecido. Em 12 anos de TST, nunca vi nada parecido, afirmou. O trabalhador disse que foi obrigado, junto com outros colegas, a caminhar em um corredor de dez metros de carvão incandescente durante um evento motivacional da empresa.
Alegou, ao pedir a indenização, que a participação no treinamento comprometeu não só sua saúde, mas a integridade física de todos que participaram da atividade. A empresa confirmou que realizou o treinamento com a caminhada sobre brasas. Entretanto, disse que a atividade foi promovida por empresa especializada, e que a participação não foi obrigatória. Uma das testemunhas destacou que todos, inclusive trabalhadores deficientes físicos, tiveram que participar do treinamento e que alguns tiveram queimaduras nos pés. Segundo a distribuidora, o procedimento não teve a conotação dramática narrada pelo trabalhador, e ocorreu em clima de descontração e alegria, sem nenhum incidente desagradável ou vexatório.
Lembrou ainda que o treinamento foi realizado dois anos antes da reclamação trabalhista e que, assim, não seria cabível condenação por dano moral, uma vez que, na época, o trabalhador não falou nada e continuou a trabalhar para a empresa. Ocupante do cargo de supervisor de vendas, o trabalhador também alegou que todo mês a empresa submetia os supervisores a um ranking de vendas, em campanha intitulada Grande Prêmio Promoções, onde o primeiro colocado tirava uma foto ao lado de uma réplica de Ferrari, e o pior colocado ao lado de um Fusca. As fotos eram afixadas no mural da empresa e enviadas por e-mail para todos da equipe. O funcionário com pior desempenho também era obrigado a dançar músicas constrangedoras na frente de todos, como Eguinha Pocotó. A empresa negou as alegações, mas depoimentos testemunhais comprovaram a exposição.
Condenação
O juiz de origem entendeu que a empresa ultrapassou todos os limites do bom senso, por expor o empregado ao ridículo e à chacota perante os demais colegas. Ato repugnante, vergonhoso e humilhante e que beira ao absurdo, sendo, por óbvio, passível de indenização por dano moral, destacou. A empresa foi condenada a pagar R$ 50 mil a título de dano moral, sendo R$ 10 mil em decorrência das humilhações sofridas nas campanhas e R$ 40 mil pela caminhada sobre o carvão em brasas. A distribuidora de medicamentos recorreu da decisão, mas o Tribunal Regional da 3ª Região (MG) manteve a condenação e negou o seguimento do recurso de revista.
O relator do processo, ministro Walmir Oliveira da Costa (foto), destacou que a empresa pretendeu reabrir o debate em torno da comprovação do dano por meio de provas, o que é inviável de acordo com a Súmula 126 do TST. Além disso, o relator destacou que não se pode conceber, em pleno século XXI, que o empregador submeta o empregado a situações que remetam às trevas medievais. O fato de o treinamento motivacional apresentar ao participante a possibilidade de caminhar por corredor de dez metros de carvão em brasa é o bastante para constatar o desprezo do empregador pela dignidade humana do empregado.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho