Com a necessidade de se atender à demanda de um mundo mais sustentável, quer seja pelas autoridades reguladoras como também por grande parte da sociedade, as empresas têm se desafiado a gerar produtos mais sustentáveis. Para tanto, têm crescido sobremaneira estudos e aplicação da chamada economia circular para se alcançar esse objetivo.
Contudo, essa discussão e planos de ação têm girado em torno de matérias-primas, design e inovação. Pouco ou quase nada se tem olhado para a questão dos recursos humanos. A aplicação dos princípios da economia circular, ao contrário do que muitos acreditam, não se dedica apenas à transformação dos processos logísticos e técnico-operacionais de uma empresa.
A economia circular, para ser implementada com sucesso, parte, necessariamente, da participação efetiva da área de Gente/Recursos Humanos (RH). Vem da força humana o impulso e a determinação para fazer melhores escolhas e implementá-las; para isso, deve o corpo funcional de uma empresa estar ciente de seus princípios, deve estar alinhado aos mesmos e devidamente treinado e pronto para este desafio tão importante e determinante de nossos tempos.
Na economia circular, é mister que se repensem todas as relações na empresa e da empresa com o mundo externo. As relações de gestão, as estratégias de construção e integração de equipes, o estabelecimento e aferimento de metas, a manutenção do clima organizacional, a segurança e as alianças, parcerias com fornecedores e clientes, a responsabilidade social, enfim, todos estes desafios, que fazem parte da palheta do RH, precisam ser redimensionados e adaptados a esta nova realidade.
É preciso, então, revisitar o conceito e os princípios da economia circular. A regra basilar da economia circular vem do estudo da hierarquia dos resíduos que é, originalmente, um processo que visa a conservar o meio ambiente e os recursos ambientais através do estabelecimento de uma abordagem de utilização por prioridade, visando a obter benefícios, otimizando a utilização dos produtos e gerando o mínimo possível de resíduos/lixo.
Vem daí a famosa regra inicial dos 3 Rs – REDUZIR, REUTILIZAR e RECICLAR, que hoje já evoluiu para 9 Rs (rechaçar, reduzir, reutilizar, reparar, restaurar, remanufaturar, redesenhar, reciclar, recuperar).
Hoje, o RH é um agente importante na disseminação, na empresa, do entendimento de que é preciso, tanto no planejamento estratégico quanto no planejamento tático e operacional, incorporar os princípios da economia circular. É imprescindível que se pense no negócio como um todo, entendendo o encadeamento das ações e metas singulares de um determinado departamento e suas implicações no todo.
Isso pressupõe pensar não só nos meios de atingimento do objetivo per si, mas também na forma holística, sustentável e ambientalmente eficaz de implementação da estratégia, uso de materiais, processos e a própria força de trabalho a ser utilizada.
Os princípios da economia circular implicam, além de alcançarem as escolhas materiais tangíveis de uma empresa, em termos de logística e operação, o relacionamento, sobretudo, com a importância da capacidade, versatilidade e diversidade do corpo funcional da empresa.
Através da esfera da economia circular, vê-se a importância de se mesclar idades, gêneros, diferentes etnias, raças, necessidades especiais, qualificações e outros, pois, neste contexto, a reciclagem e requalificação do corpo funcional também acontecem. Um corpo funcional que se atualiza, recicla, reutiliza, entre si, estará preparado para fazer as escolhas fundamentais para o bom funcionamento da economia circular, sejam elas decidindo sobre materiais, metodologias e outros, fomentando, portanto, a visão econômica circular de forma holística.
Os conceitos da economia circular indicam um modelo no qual a produção e o consumo envolvem reaproveitamento, reparação, reutilização e recondicionamento. Isso deve se dar também com o corpo funcional, com as pessoas, a fim de que “durem” o maior tempo possível e não sejam “descartadas” sem que se examine e se faça o inventário de conhecimento das mesmas à disposição da corporação.
A economia circular é um modelo de produção e consumo que otimiza o ciclo de vida dos produtos, estendendo este ciclo, cabendo ao RH preparar as equipes para esta realidade e sua execução da forma mais eficiente possível. Contudo, isso também deve contemplar a otimização do corpo funcional da empresa.
Muitas empresas optam por fazer seus planejamentos de pessoal baseados apenas no custo. Cabe ao RH auxiliar as lideranças nas decisões de pessoal, criando formas de enfrentamento dos problemas que idade e formação impõem a essa força de trabalho. Maximiza-se o valor dos empregados com reciclagem, requalificação, reaproveitamento e recolocação e isso, por sua vez, produzirá uma força de trabalho mais leal, mais feliz e mais eficaz.
Estas ações, que fortalecem os princípios da economia circular, aprimoram a formação e colaboração das equipes, promovendo o compartilhamento das habilidades interpessoais, fortalecendo a diversidade e a vivência desta realidade. Incentiva-se a convivência com diferenças, aprende-se com o gerenciamento de vulnerabilidades e tudo isso contribui para um ambiente seguro, onde a inovação encontra espaço e onde o culto ao equilíbrio e vitalidade entre a vida pessoal e profissional potencializa a entrega dos talentos pelo colaborador à empresa e, consequentemente, à sociedade, tornando-a mais sustentável.
A circularização da economia, sob o ponto de vista do RH, pressupõe o estímulo da diversidade e integração da força de trabalho, onde o colaborador experiente passa aos novatos seu conhecimento, agregando valor aos jovens, fazendo com que a combinação, sem preconceitos, dos dois grupos seja valiosa e fundamental.
O conceito de economia circular, atualmente, é extremamente importante no microuniverso da empresa e no macrouniverso do mercado e mesmo do planeta. As novas gerações, Millennials (geração Y, nascidos entre 1980 e 1995), geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) e a geração Alpha (nascidos a partir de 2010), são aquelas que formarão, em breve, 50% da força de trabalho.
Essas gerações já vêm sendo sensibilizadas para os problemas do planeta, para a necessidade da mudança da relação de produção e consumo e elas devem também ser conscientizadas para a aplicação destes conceitos quando do gerenciamento de grupos, formação de equipes e administração da força de trabalho, contemplando a bagagem de conhecimento e reaproveitando, dos atores que representam a geração Baby Boomers (nascidos entre 1940 e 1960) e geração X (nascidos entre 1960 e 1980), pois só assim o conceito de sustentabilidade se implementa e permite a otimização do conhecimento e das habilidades desenvolvidas nos ciclos anteriores, de modo a serem utilizadas, reaproveitadas e aprimoradas.
O conceito de economia circular não comporta o entendimento de que o ser humano, nesse processo, é descartável e facilmente substituível. Aqui não vale a crença de que é substituível porque não mais se enquadra no modelo de negócio ou porque se tornou caro, ou não consegue se adaptar.
Cabe ao RH enfrentar este desafio e demonstrar às empresas a importância da aplicação dos conceitos de economia circular, não só aos materiais e processos da empresa, mas também ao seu quadro funcional.
O sucesso da transição bem-sucedida para uma economia circular sustentável dependerá sobremaneira dos olhos diligentes e estratégias do RH da empresa que, atenta às aptidões e competências disponíveis, irá alinhar a força de trabalho, desenvolvendo as aptidões e competências exigidas pelo mercado de trabalho circular e estimulará a estratégia compatível nos processos da empresa.
É o RH que deve oferecer à companhia a reflexão sobre a necessidade do pensamento sistêmico do início ao fim do processo, do recrutamento e seleção ao estabelecimento de metas estratégicas para a empresa e seu aferimento.
O conceito de economia circular buscou uma alteração do conceito tradicional da economia linear, qual seja, fazer, usar, dispor. Na economia circular, ao contrário do mero uso e consequente disposição, o objetivo é o de mantermos os recursos em uso pelo maior tempo possível, extrairmos deles o máximo valor durante o uso, recuperando e regenerando os recursos no final de sua vida útil.
No caso da força de trabalho, o modelo linear – fazer, usar, descartar – era aplicado e as contratações eram feitas para uma determinada função e rigidamente se mantinha o colaborador nas mesmas atribuições por anos a fio, sem perspectiva de exploração pelo mesmo de outras áreas de atuação nas quais poderia ser testado e adquirir novos aprendizados. A mobilidade dos colaboradores era mínima, os talentos deles não eram otimizados e não se abriam aos mesmos novos horizontes, ao mesmo tempo que não se criava redundância.
O modelo de economia circular, além de outros benefícios, ao otimizar o talento dos colaboradores, propõe job rotation e outros mecanismos de aproveitamento, prepara ainda a força de trabalho para a 4ª Revolução Industrial, na qual o aporte agressivo de novas tecnologias força a empresa a alterar os papéis a serem desempenhados pelo trabalho humano.
Nos dias de hoje, é de extrema importância o entendimento de que as carreiras na empresa não serão mais lineares como há 20 anos. A realocação e o reaproveitamento dos talentos da força de trabalho são uma realidade na economia circular e o RH deve ser o disseminador e implementador dessa cultura na empresa. Exige-se uma total revisão e reorientação na construção das carreiras dos profissionais.
Atenção deve ser dada à nova realidade do presente e futuro: a longevidade é uma grande conquista da humanidade, graças à grande evolução da ciência e novas formas de balanceamento entre trabalho, repouso, lazer e saúde física e mental. Contudo, a reforma previdenciária, necessária para o equilíbrio das finanças do Estado, prorrogou substancialmente a idade da aposentadoria dos trabalhadores.
Além disso, os planos de previdência privada, com receio de déficit futuro, praticamente só operam com a contribuição definida. Ora, esses dois elementos impõem que o cidadão permaneça muito mais tempo na atividade laboral, sob pena de grande dificuldade de sobrevivência a partir de uma certa idade. As empresas devem estar sensíveis a essa realidade e planejar a carreira de seus colaboradores diante dessa necessidade de inclusão dos “cabelos grisalhos”.
Isso não significa qualquer ação de filantropia, porque os mais experientes podem e devem permanecer com mérito do que podem contribuir para com a empresa. Cabem aqui as premissas da economia circular, porque aqueles com maior idade são perfeitamente úteis, desde que não haja discriminação e que haja um planejamento do desenvolvimento deles para carreiras compatíveis com suas habilidades e experiências.
A prosperidade da empresa e da força de trabalho na 4ª Revolução Industrial pressupõe a incorporação dos valores e conceitos da economia circular a fim de auxiliar a empresa a reter, nutrir, maximizar e fidelizar sua força de trabalho.
O mundo mudou, as demandas para manutenção da qualidade de vida no planeta são outras e prementes. Com isto, a empresa e suas agendas também mudaram. Não se pode esperar de uma empresa apenas o que pregava o modelo de Friedman dos anos 60/70, qual seja, a obtenção do lucro para seus acionistas.
A pressão ambiental e a consequente escassez e risco de descontinuidade de recursos exigem que as empresas revisitem sua missão, visão e valores para que contemplem as pressões contemporâneas e façam suas estratégias alinhando-as aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs-ONU) e aos princípios da economia circular.
As empresas que não entenderem a necessidade de realinhamento a esse novo contexto de mudança radical das normas e valores da sociedade em relação ao exercício da cidadania, em relação ao uso, consumo, atitude e compreensão da pressão que a crise ambiental nos impõe terão dificuldade de estabelecer-se e de se sustentar. O RH tem, portanto, um papel importante no alinhamento da empresa a essas tendências e demandas globais.
Este texto foi produzido pelo Dr. Alfredo Bottone, a partir de reflexões após sua participação no Módulo de Economia Circular, na Universidade de Lisboa, promovido em parceria com a Competency do Brasil, dentro do 2º Seminário Internacional de Capacitação e Negócios.
Alfredo Bottone é Consultor de RH Estratégico, Direito do Trabalho, Ética Empresarial, Treinamento e Desenvolvimento de Lideranças e profissionais de RH, Coaching e Mentoring. Formado em Matemática, Direito, pós-graduação, mestrado e Ph.D. em Business (Florida Christian University – Estados Unidos), especialização em RH nos Estados Unidos, Programa de Gestão Avançada (Fundação Dom Cabral e INSEAD França). Atua desenvolvendo trabalhos e programas totalmente customizados para cada empresa cliente.
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